Gestão de riscos de Compliance, como evitar perdas em tempos de pandemia
Por Walter Segundo em 19.05.2020
Fonte: Câmara de Comércio Brasil-Canadá
A análise de riscos é um dos pilares fundamentais do Compliance e uma ferramenta estratégica de auxílio às empresas na tomada de decisões. Entender a sua importância é fundamental para atravessar os tempos incertos de pandemia.
Podemos definir o risco como o efeito da incerteza na consecução de um determinado objetivo. A análise de risco consiste na identificação e atribuição de nível a de um fator incerto. Esta avaliação leva em conta dois fatores: as consequências da materialização do risco e a probabilidade de sua ocorrência. Uma vez classificado o fator de risco, trabalha-se a sua gestão, por meio da adoção de medidas de mitigação, a fim de reduzir seu impacto ou as suas chances de acontecer.
Resumidamente, esta é a metodologia da análise e gestão de riscos, tão importante para auxiliar qualquer liderança a atingir suas metas e objetivos, evitando contratempos com a adoção de medidas preventivas. Tomemos como exemplo o cenário atual causado pelo Covid-19 para entender a importância da análise de riscos.
A ocorrência de uma pandemia causada por um vírus respiratório não era um risco completamente imprevisível, tivemos no passado a gripe espanhola e relatórios de inteligência já alertavam para esta possibilidade. Porém, praticamente nenhum país no mundo estava preparado para lidar com este risco de consequências catastróficas, com irreparáveis perdas humanas e efeitos devastadores na economia. Fato é que não houve a devida gestão deste risco de alto impacto, seja pela incorreta avaliação de consequências e probabilidade, ou na adoção das medidas de mitigação.
Ignorar riscos, ou não os tratar adequadamente, pode trazer graves consequências, muitas vezes irremediáveis. Por isso, é necessário entender a gestão de riscos de Compliance em tempos de pandemia para evitar perdas evitáveis.
Diante do atual quadro de incertezas, mais do que nunca se tornou imprescindível lançar mão desta metodologia para analisar os riscos às companhias trazidos pela pandemia. Só assim é possível estruturar tempestivamente as medidas de tratamento e mitigação destes riscos, dos quais se destacam a possibilidade de ocorrência de atos lesivos a licitações e demais fraudes internas.
Em 20 de março de 2020, foi reconhecido o estado de calamidade pública no Brasil1. Com isso, dentre outras medidas, há a possibilidade de dispensa do processo licitatório para a aquisição de obras, serviços, equipamentos e outros bens que tenham pertinência com as causas da calamidade, conforme prevê a Lei de Licitações2.
Licitações e contratos administrativos são pontos sensíveis para quaisquer programas de Compliance, em função da possibilidade de sanções civis, administrativas e criminais em caso de inobservâncias ou violações às formalidades legais, o que pode trazer diversos prejuízos para a empresa e seus gestores. Todavia, além de tutelar a moralidade pública, o processo licitatório é também uma proteção ao particular que contrata com a administração pública, pois define regras claras de procedimentos de concorrência do que pode e do que deve ser feito.
Assim, em razão da necessidade estatal de celeridade em adquirir bens e serviços em tempos de calamidade pública, deve-se ter especial cuidado quanto à dispensa de processos licitatórios. Isto porque, abusos e atos ilícitos praticados em desfavor do sofrimento da coletividade, em tempos de calamidade pública, têm uma reprovabilidade acentuada, e não passarão despercebidos pelos órgãos de persecução e controle.
Por isso, as empresas devem estar preparadas para a possibilidade de ter que demonstrar que agiram de boa-fé em tais contratações.
Nesse sentido, a adoção de um programa de integridade eficaz, nos termos da Lei Anticorrupção, é indispensável para demonstrar um esforço proativo de probidade empresarial. Pontualmente, exemplos de medidas preventivas para afastar futuras acusações de sobrepreço ou superfaturamento são a elaboração de planilhas de custos e de composição de preço, mesmo quando não exigido pela administração pública, além da manutenção de documentos que comprovem os parâmetros lançados. Outra ação eficaz é guardar registros detalhados de todas as interações com agentes públicos, tais como atas de reunião, e-mails ou trocas de mensagens.
Em relação a fraudes, que abrangem diversas condutas que podem trazer perdas significativas para as empresas, o cenário de calamidade é, infelizmente, um terreno fértil para sua ocorrência. Ter noção disto é fundamental para trabalhar da prevenção.
Para entender este trágico prognóstico, é preciso ter em mente o triângulo da fraude de Cressey3, modelo teórico que busca definir as causas pelas quais pessoas cometem fraudes em organizações. Segundo esta hipótese, o comportamento fraudulento tende a ocorrer na presença de três fatores: pressão, oportunidade e racionalização.
A pressão advém de uma necessidade financeira, o que é facilmente verificado em tempos de crise econômica. Pode-se acrescentar ainda como elemento de pressão o medo de perder empregos ou a necessidade de atingir metas extremamente ousadas para reduzir perdas de faturamento. A oportunidade trata da possibilidade, do conhecimento ou do domínio técnico para a realização da fraude. Em tempos de distanciamento social e trabalho a distância, há natural afrouxamento de controles internos e de vigilância, aumentando as chances de ocorrência de fraudes. A racionalização é o processo interno de autoindulgência, que busca justificar a adoção da conduta fraudulenta. A incerteza quanto aos efeitos negativos da pandemia poderia ser um exemplo.
Outro fator de risco que pode facilitar a ocorrência de fraudes ou atos ilícitos em organizações é a possibilidade de cortes de orçamento em áreas estratégicas de defesa da empresa, como o jurídico, o Compliance ou a auditoria interna.
Desta forma, compreender as causas de as fraudes empresariais tenderem a aumentar neste cenário de pandemia é fundamental para realizar uma boa gestão de riscos, que variam de acordo com o perfil de cada organização, a fim de mitigar as chances de ocorrerem perdas evitáveis, que podem significar a sobrevivência da organização agora e quando tudo isso passar, e sabemos que passará.
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1 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm
2 Art. 24, inciso IV da Lei nº 8.666/1993.
3 Cressey, D. R. (1953). Other people?s money: a study in the social psychology of embezzlement. Glencoe, IL: The Free Press